Demanda por farelo de soja não é estruturalA soja segue no centro da disputa comercial entre os Estados Unidos e a China. Maior importadora mundial da oleaginosa, a potência asiática evitou em grande parte a soja americana nesta safra, com as primeiras compras conhecidas ocorrendo apenas no fim de outubro, o equivalente a dois carregamentos.
O boicote tem sido custoso para os produtores norte-americanos, que dependem da China para escoar grande parte de sua produção. Pequim, em contrapartida, intensificou as compras de soja de países sul-americanos, como Brasil e Argentina, aproveitando a safra abundante e a competitividade cambial.
Esse movimento não é novo. Durante a guerra comercial de 2018–2019, a China também reduziu drasticamente as importações dos EUA, em resposta às tarifas impostas por Donald Trump. Desde então, vem diversificando sua base de fornecedores, buscando reduzir a dependência de um rival geopolítico de uma commodity essencial à sua segurança alimentar. O Brasil, hoje maior produtor global, tornou-se o principal beneficiário, com expansão acelerada da área plantada e da capacidade de esmagamento.
Nos bastidores, o que sustenta o apetite chinês não é apenas a soja em si, mas o farelo subproduto usado como principal insumo na ração animal. A recuperação da produção de suínos e aves após a peste suína africana elevou a demanda por ração e, consequentemente, pelo farelo. Isso ampliou o crush rate (a taxa de esmagamento da soja) ao longo de 24-25, impulsionando a margem das indústrias que compram grão para transformar em farelo e óleo.
Quando o crush rate sobe, as processadoras passam a disputar soja no mercado físico, o que tende a sustentar ou elevar o preço do grão, mesmo em contextos de safra abundante. No entanto, o equilíbrio é delicado e no momento vemos o reflexo da recomposição da demanda com o acordo entre EUA e China.
A divergência entre farelo e óleo mostra uma demanda assimétrica com o setor de ração sustentando preços enquanto o energético afunda. Isso indica que a alta da soja não está ancorada em fundamentos industriais sólidos, mas em um choque temporário de subproduto. Se o óleo não reagir, o movimento de alta do farelo tende a perder força e o preço da soja, mesmo com contratos futuros em leve valorização, pode voltar a se ajustar para reequilibrar o crush.
Em janeiro, os produtores americanos enfrentarão forte concorrência para garantir compradores chineses, já que o Brasil deve inundar o mercado com mais uma safra recorde. Essa dependência maior do Brasil traz riscos à China: custos logísticos mais altos, exposição a choques climáticos e menor previsibilidade de embarques.
A demanda chinesa por cargas americanas pode voltar a níveis mais próximos da normalidade se a meta de 25 milhões de toneladas se confirmar. Ainda assim, o volume ficaria abaixo do pico registrado após o acordo comercial da “Fase Um”, quando as exportações americanas atingiram 34,2 milhões de toneladas na safra 2020–21.
No curto prazo, o eixo do mercado de soja passa menos pelo comércio bilateral e mais pelo valor do farelo e pela margem de esmagamento e pelo calendário econômico. São esses dois indicadores e não apenas os embarques que ditam o pulso da demanda real e, por consequência, o preço global da soja.
Ideias de negociação
Por que o Aumento Súbito nos Preços do Óleo de Soja?Os recentes aumentos expressivos nos preços do óleo de soja em Chicago refletem uma confluência de fatores globais e domésticos dinâmicos. As tensões geopolíticas, especialmente aquelas que impactam os mercados de petróleo bruto, desempenham um papel significativo, como evidenciado pela recente alta nos contratos futuros do Brent após eventos no Oriente Médio. Essa volatilidade no complexo energético influencia diretamente os custos e o valor estratégico dos combustíveis alternativos, posicionando o óleo de soja na vanguarda dessa transformação de mercado.
Um dos principais impulsionadores desse aumento são as iniciativas transformadoras da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA). As propostas da EPA para os volumes do Padrão de Combustíveis Renováveis (RFS) de 2026 e 2027 representam um esforço ambicioso para expandir a produção doméstica de biocombustíveis. Essas metas, que superam significativamente os objetivos anteriores, buscam fortalecer a segurança energética dos EUA e apoiar substancialmente a agricultura americana, aumentando a demanda por soja e seus derivados. Alterações importantes, como a adoção de equivalentes de RINs e a redução dos custos de RINs para importações, visam incentivar o consumo doméstico e remodelar a dinâmica do mercado.
Essa demanda impulsionada por políticas públicas reconfigura fundamentalmente o mercado de óleo de soja nos EUA, fazendo com que os contratos futuros da Bolsa de Chicago reflitam cada vez mais forças internas americanas, em vez de tendências globais. Isso requer uma mudança de foco por parte dos negociantes, que agora devem acompanhar os preços do mercado físico em outras regiões para obter insights internacionais. O mercado reagiu rapidamente, com aumentos significativos nos preços futuros, crescimento no interesse aberto e volumes recordes de negociação, sinalizando forte confiança dos investidores no papel do óleo de soja nesse novo cenário. Além disso, os novos mandatos intensificam a pressão sobre matérias-primas importadas de biocombustíveis, reforçando o foco na produção doméstica.
Em última análise, a alta nos preços do óleo de soja vai além da mera especulação de mercado; ela sinaliza uma transformação estrutural. O óleo de soja consolida-se como uma commodity essencial na estratégia de independência energética dos EUA, onde a robusta demanda doméstica, moldada por políticas visionárias, emerge como a força predominante. Essa transição evidencia a profunda interconexão entre os mercados agrícolas, os objetivos energéticos nacionais e a estabilidade geopolítica global.

