Helicopter Money: se não for agora, alguma vez será?Na semana passada escrevia sobre a possibilidade destas medidas de expansão monetária e fiscal não passarem apenas de ações de sobrevivência com pouco valor acrescentado e estímulo económico. Do lado da procura, as pessoas têm agora uma vida menos ativa e com a incerteza relativamente ao futuro acabam por consumir menos; enquanto do lado da oferta, por mais baixos que sejam os juros, empresas com problemas de solvência ou de falta de liquidez têm sempre de se endividar para poder pagar salários.
Existe, no entanto, uma forma de possivelmente atenuar os efeitos menos positivos destas medidas. Helicopter Money refere-se à injeção de capital na economia diretamente nos bolsos dos agentes económicos. Isto aumentaria o dinheiro disponível, e consequentemente, levaria a uma maior procura e mais baixa necessidade de endividamento das empresas. Ben Bernanke chamou-lhe um programa fiscal financiado por dinheiro (2016). A razão por detrás disso é porque podemos pensar em Helicopter Money como uma expansão fiscal. O banco central compraria obrigações do tesouro em open market operations e o estado reduziria impostos na mesma quantia.
Olivier Blanchard (2019), ex-economista chefe do FMI, refere duas formas possíveis de isto acontecer:
Indireta: Obrigações do tesouro seriam emitidas por um estado que seriam posteriormente compradas pelo banco central. A dívida é do governo para com o banco central. O banco central vê um aumento do seu passivo (quantidade de dinheiro) assim como do seu ativo (obrigações do tesouro) ficando o seu net igual;
Direta: Banco central transfere dinheiro diretamente para as famílias. Não existe dívida por parte do governo para com o banco central. Existe um aumento do seu passivo (quantidade de dinheiro) sem que aconteça um aumento do seu ativo, diminuindo então o seu net.
Existem, no entanto, desvantagens em cada um dos cenários. No primeiro, a diminuição da posição líquida de capital do banco central é algo que não é do interesse dos bancos centrais. Fá-los parecer mal geridos e põe em causa a sua independência. Já no método indireto, o governo tem o incentivo de aumentar impostos uma vez que existe um aumento da sua dívida. Dessa forma, os consumidores estariam mais dispostos a gastar esse dinheiro na forma direta.
Depois existem também barreiras à sua implementação. Helicopter Money acaba por ser uma forma de contornar regras de consolidação orçamental e certamente alguns países europeus não estariam muito abertos a que isso acontecesse. Para além disso, questões mais práticas também seriam precisas responder: Quem daria informação das famílias aos bancos centrais? Quem é que recebe essa quantia, cada indivíduo ou o agregado familiar? Precisaria de aprovação em parlamento? O BCE tem a capacidade para o fazer? Todos os países receberiam a mesma quantia?
Também há uns meses, escrevia sobre a possibilidade de se observar Helicopter Money na Zona Euro, referindo que apenas perante uma grande crise seria possível ver esta medida em ação. No entanto, na Europa as decisões políticas demoram o seu tempo a serem tomadas, e uma política desta magnitude seria altamente complicada de ver implementada. No entanto, ela ajudaria certamente a mitigar os efeitos negativos desta pandemia de uma forma mais eficiente do que qualquer outra medida. Infelizmente, a crise chegou e será interessante observar se os conservadores políticos europeus irão abrir mão a um precedente nunca antes visto.
Federicoaragaomorais
Não são medidas de estímulo, mas de sobrevivênciaÉ com alguma preocupação que a propagação do vírus se encontra ainda do lado esquerdo da bell curve e que ainda à um longo caminho a percorrer. Pensa-se que o pico será dentro de quatro a oito semanas, sendo também previsível que várias medidas impostas de contenção do vírus se mantenham por algum tempo depois. Muitos bancos centrais já tomaram várias medidas expansionistas e existe a promessa de estímulos fiscais por parte de praticamente todos os governos, no entanto isso em nada altera o estado de pânico que se vive nos mercados financeiros e as perdas observadas em vários mercados acionistas já vão próximas dos 30%.
Na semana passada, escrevia acerca de como a redução da taxa de juro por parte da Fed em 50 pontos base tinham trazido toda a yield curve para baixo e não apenas as yields de mais curto-prazo, sinalizando precisamente que um longo período de baixo crescimento se adivinhava. É interessante olhar como foi também a resposta desta curva à nova ação de domingo passado do banco central americano em voltar a reduzir a sua taxa de juro diretora para um intervalo 0%-0,25%. A mesma voltou a baixar em todas as maturidades tendo as yields diminuído mais no curto-prazo do que a longo-prazo, indicando que não só o baixo crescimento irá ser prolongado, mas também que a recessão está aqui à porta e será mais severa do que inicialmente pensado. Já em Portugal, é possível observar uma diminuição das yields a 6 meses e a um ano, mas também a um aumento ao longo de todas as outras maturidades – isto tem levado a um declive mais ingreme da curva.
As implementações destas medidas são necessárias, no entanto têm servido também de confirmação de que a atual conjuntura económica é um problema sério. Apesar de ser favorável para as empresas pagarem uma taxa de juro mais baixa pelos seus empréstimos, não é garantido que o mesmo aconteça com as aquelas que já emitiram obrigações. Nos Estados Unidos, por exemplo, o spread de crédito (diferença entre a yield paga por uma obrigação do tesouro comparativamente a uma obrigação corporativa da mesma maturidade) aumentou num dia o mesmo que cresceu ao longo do último trimestre de 2008. Também as obrigações com uma nota de abaixo do nível de investimento (também conhecidos como high-yield ou junk bonds), tiveram um aumento de 176 pontos base de quinta-feira para sexta-feira passadas. Para além da falta de liquidez, poderá existir também um problema de solvência.
A pergunta que põe é se, de facto, por mais que seja feito, será possível recuperar a confiança dos investidores. As políticas de expansão fiscal e monetária tendem a ser denominadas de medidas de estímulo muito pelo impacto que podem ter no aumento da propensão marginal do consumo em detrimento da poupança, levando assim ao crescimento dos gastos dos consumidores e investimento das empresas. No entanto, com a população fechada em casa e com uma redução brutal do consumo, estas medidas parecem ser mais de sobrevivência e não necessariamente de estímulo económico. É possível atrasar-se possíveis falências que poderão existir por problemas de solvência ou de falta de liquidez, mas existe sempre um limite muito reduzido relativamente à efetividade destas medidas. No entanto, quando a população voltar à sua vida normal, estas ações irão certamente proporcionar uma recuperação mais rápida começando realmente a servir de estímulo à economia.
Como o pânico nos mercados afetaram Portugal e a moeda do euroAs consequências do surto nos principais indicadores económicos ainda não são visíveis na maior parte dos países do mundo, no entanto os efeitos negativos do vírus na economia são agora uma certeza e a sua magnitude é ainda imprevisível. A OCDE reviu a previsão de crescimento para a zona euro, diminuindo-a em 0,3%, sendo também estas estimativas relativamente frágeis uma vez que é muito difícil quantificar a duração dos efeitos desta pandemia. No entanto, os mercados financeiros vivem de expectativas e o futuro, mais ou menos incerto, vai afetando o presente.
O pânico vivido nas últimas semanas nos mercados são consequência de vários dias em que o sentimento que prevaleceu foi o de uma enorme aversão pelo risco.
Os mercados acionistas são considerados de risco elevado e por isso tendem também a ser os primeiros a sofrerem fortes quedas em situações de maior turbulência. As perdas de cerca 20% nos principais índices norte-americanos, tem levado a um rápido “sell off” de dólares e à consequente desvalorização da moeda americana. Apesar do mesmo estar a acontecer na Zona Euro, o seu peso é relativamente menor e por isso é possível observar a moeda europeia a valorizar quando comparado com o dólar. Outro fator a contribuir para o ganho de valor do euro são as perspetivas relativamente às taxas de juro diretoras dos principais bancos centrais. Enquanto a maior parte dos bancos centrais mundiais têm ainda margem para diminuir a sua taxa de juro (uma vez que estão ainda longe do seu limite mínimo de 0%), o Banco Central Europeu já não tem muito para onde ir. No fundo, o fosso que se vai estreitando entre as diversas taxas de juro e aquela definida pelo BCE tornam o euro mais atrativo.
Em Portugal, a tendência no mercado acionista é muito semelhante sendo também possível observar o seu principal índice de referência, o PSI-20 a desvalorizar mais de 20% nas últimas duas semanas. Todas as cotadas têm perdido valor e com o baixo preço do petróleo, a Galp tem sido a grande sacrificada.
É também muito interessante olharmos para o mercado de dívida na medida em que se pode compreender aquilo que nos pode esperar no futuro. Em particular, enquanto a yield das obrigações do tesouro a 30 anos tem vindo a diminuir estando agora a cotar a 1,038%, os juros das maturidades mais curtas têm subido. Uma curva das yields menos ingreme indica-nos que estamos mais próximos de uma recessão ou pelo menos de um longo período de estagnação económica.
Frederico Aragão Morais, Analista de mercado da TeleTrade-DJ International Consulting
A economia do vírusAquilo que se está a passar na economia, não é sem dúvida, normal. Não é uma típica crise de ciclo económico em que se começa por observar uma diminuição do crescimento do produto e eventualmente da sua redução, levando então a uma recessão. Esta epidemia começa por ser um choque do lado da oferta e da sua cadeia valor tendo também muito potencial para arrastar a procura atrás. À partida, a sua duração será curta e a recuperação possivelmente rápida, no entanto a magnitude dos seus efeitos negativos são ainda imprevisíveis.
Em qualquer crise, as políticas monetárias e fiscais tendem a ser as armas a usar para atenuar as suas potenciais consequências. No entanto, quanto maior for o clima de incerteza relativamente ao futuro, menor é o seu potencial efeito.
Vários bancos centrais já reduziram as suas taxas de juro diretoras, mas sem o seu desejado resultado. Apesar destas medidas terem o potencial de aumentar a procura agregada da economia, estas iniciativas políticas foram interpretadas como um sinal de “alarme” nos mercados. Certamente que determinadas empresas irão beneficiar da redução dos juros – tanto aquelas que têm atualmente empréstimos com uma taxa variável como outras que não tenham empréstimos contraídos e necessitem de o fazer, poderão fazê-lo agora a taxas mais baixas. O grande problema aqui é que as taxas serão pouco mais baixas do que são atualmente! O impacto positivo destes estímulos monetários é muito reduzido e como consequência, o ânimo que trouxe aos mercados teve a duração de pouco mais de uma hora.
Do lado da procura, à medida que os países tomam medidas como o fecho de escolas ou o cancelamento e a limitação de eventos empresariais e desportivos e em que as pessoas, manipuladas pela incerteza que se vive, começarem a deixar de viajar, a reduzir o seu consumo e a ter maior dificuldade em pagar os seus empréstimos; torna-se cada vez mais urgente uma ajuda fiscal por parte dos governos.
Todas estas medidas não serão ser suficientes para impedir um impacto económico negativo do vírus, mas poderão certamente ajudar a atrasar e a mitigar o seu potencial efeito.
No que toca aos mercados financeiros, aquilo que é possível observar até à data são duas semanas sangrentas e quedas agregadas dos principais índices acionistas de cerca de 20%. Apesar de existirem setores específicos que estão a ser mais afetados (como o da aviação ou o energético), todos são penalizados – a prova disso mesmo é que o dinheiro tem saído de todos os Exchange Traded Funds (ETFs). As possíveis falências que poderão existir podem ser tanto por problemas de solvência (e.g. consequência da redução do preço do barril) como de falta de liquidez (e.g. redução substancial da procura).
É interessante olharmos para o mercado de dívida na medida em que se pode compreender aquilo que nos pode esperar no futuro. Em particular, nos Estados Unidos a yield das obrigações do tesouro a 30 anos está pela primeira vez abaixo de 1% e já chegou também ao nível a que estava a yield da dívida a 2 anos há cerca de duas semanas atrás. Já em Portugal, o mesmo não se tem passado e o declive da curva das suas yields tem-se tornado mais ingreme desde as últimas duas semanas.
A expansão da política monetária americana já não só contribui para a diminuição dos juros da dívida a curto-prazo, mas para toda a queda da curva. Do lado europeu, será interessante observar se o mesmo se passará com a possível intervenção do Banco Central Europeu (BCE).
Apesar de tudo, a curva das yields da maior parte dos países tem caído em todas as maturidades e isto indica-nos que estamos mais próximos de uma recessão ou pelo menos de um longo período de estagnação económica.
A história de uma semana sangrentaA semana passada ficou marcada pela maior queda dos mercados acionistas da última década. O pânico que se criou foi consequente das crescentes preocupações de que o surto do coronavírus se transforme numa pandemia global com graves implicações no crescimento económico. Apesar de a China ter revelado dados encorajadores que refletiam um declínio do crescimento do número de infetados, o coronavírus espalhou-se por outros países – especialmente na Coreia do Sul, Irão e Itália.
À medida que estas notícias chegavam no passado fim de semana, já se podia expectar uma abertura em queda dos principais índices mundiais. E foi assim mesmo que se deu início a uma “sangrenta” semana. As ações começaram por abrir a semana numa forte queda e o sentimento de grande aversão pelo risco levou a um aumento da procura por ativos de maior segurança. Depois, ao longo da semana foi também possível observar a permanência do sentimento de aversão pelo risco à medida que cada vez mais empresas anunciavam as expectativas de perdas de lucros nos próximos meses.
O afastamento de ativos de maior risco levou o S&P 500 a cair 11% em cinco dias, tendo sido essa a sua maior queda semanal desde a crise financeira de 2008. Este declínio de sete dias consecutivos marcou também a sua maior derrapagem em mais de três anos. Já o Dow Jones teve também um declínio semanal de 12%, tendo caído quase 1.200 pontos na quinta-feira – essa foi a sua maior queda de sempre num só dia. A acompanhar estas quedas estiveram também os mercados asiáticos e europeus, onde foi possível observar o Stoxx 600 - principal índice de referência da Zona Euro - a perder 12% e o índice sul-coreano - Kospi - a cair 7%. Em Portugal, o PSI-20 desceu 11,5%, tendo sido esse o seu pior desempenho desde a crise financeira de 2008 que retirou 7,5 mil milhões de euros ao índice português.
Como é comum em dias de maior aversão pelo risco, ativos de maior segurança tendem a ser procurados e isso foi o que aconteceu com o mercado de dívida. Foi possível observar uma queda relativamente acentuada das yields um pouco por todo o mundo. Em particular, na Zona Euro as yields desceram em praticamente todos os países, tendo a dívida alemã sido aquela que teve maior procura. No outro lado do Atlântico, também as yields das obrigações do tesouro norte-americanas caíram tendo sido lideradas por uma diminuição das maturidades a 2 e 5 anos. As maturidades mais longas perderam menos valor, no entanto os juros da dívida a 10 e 30 anos bateram mínimos históricos na terça e na sexta-feira. Como consequência, a yield curve acabou por se tornar mais íngreme, refletindo também a possibilidade de existir um futuro corte na taxa de juro diretora da Reserva Federal americana.
No que toca ao petróleo e em especial ao crude, o mesmo acabou por descer para o valor mais baixo desde janeiro de 2016. Os preços afundaram durante seis dias consecutivos contribuindo para uma perda semanal de 16,15% - a maior queda semanal desde dezembro de 2008.
Já o metal dourado teve uma grande valorização no primeiro dia da semana, no entanto apesar de toda a restante semana ter sido de aversão pelo risco, o ouro nunca mais voltou a subir. Não é normal, no entanto existe uma explicação muito clara para isso. No fundo, de forma a colmatar as perdas que se experienciavam nos mercados acionistas ou perante a existência de margin calls, os investidores viram-se forçados a vender o metal. Consequentemente, isto levou a uma desvalorização que acabou por acontecer nos restantes dias da semana e em especial no dia de sexta-feira.
É importante ter consciência de que nem o vírus nem os seus impactos negativos irão desaparecer nos próximos tempos. No entanto, espera-se agora uma forte oposição. Diversos bancos centrais poderão baixar as suas taxas de juro diretoras e vários países já se mostraram também abertos a que existam políticas públicas de estímulo à economia. À medida que o impacto do coronavírus se tornar mais quantificável, a volatilidade nos mercados poderá aliviar (tanto para o bem como para o mal) assumindo então um rumo mais consistente. Não há ainda razão para se pensar que este bull market tenha acabado e muito menos para se assumir que um “urso” tomou o seu lugar.