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**Estados Unidos: O Titanic Modificando a Rota aos Gritos**

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**17 de julho de 2025**
**Estados Unidos: O Titanic Modificando a Rota aos Gritos**

por Rafael Lagosta...


A superfície ainda brilha. Wall Street ostenta seus dígitos inflados, os relatórios de emprego dançam conforme a música da temporada eleitoral, e o dólar ainda circula como sangue artificial em 80% das transações globais. Mas o cheiro de ozônio queimado não engana ninguém que sabe farejar potência em declínio. Os Estados Unidos seguem navegando — mas o casco já raspou no iceberg. E em vez de recalcular rota com estratégia, o império grita. Berra em sanções, ruge em guerras por procuração, grita em cúpulas diplomáticas. Um Titanic geopolítico que tenta virar o leme com base em gritaria.

A dívida federal já ultrapassa os **US\$ 35 trilhões**. O déficit anual dos EUA — só em 2024 — foi de **US\$ 1,7 trilhão**. Isso não é mais um rombo. É uma sangria institucionalizada. Os juros da dívida consomem cerca de **US\$ 1 trilhão por ano**, quase o mesmo que os gastos com defesa. O país que antes emitia dívida para crescer, agora emite para respirar. O Fed compra o que o Tesouro emite. O Tesouro emite porque o Congresso gasta. O Congresso gasta para manter a ilusão de estabilidade. E a população segue alimentada por créditos fiscais, cheques emergenciais, e uma bolha acionária baseada em recompras, não em produtividade real.

Mas enquanto o dólar ainda reina, o império consegue sobreviver. Só que o reinado é mantido por mecanismos que estão rachando. BRICS, CBDCs, acordos bilaterais em moedas locais, o fortalecimento de blocos como ASEAN e União Africana, todos sinalizam o mesmo: o mundo está buscando rotas alternativas ao sistema baseado no petrodólar e nas bolsas americanas. O eixo comercial global já não gira exclusivamente em torno de Nova York. Xangai, Abu Dhabi e Mumbai entraram no jogo.

E o que os EUA fazem diante disso? Duplicam sua aposta no domínio invisível: **a infraestrutura digital do planeta**.

Washington já percebeu que o próximo “petróleo” é o dado, e a próxima “arma nuclear” é a inteligência artificial. E isso, hoje, ainda é território americano. Os cinco maiores sistemas de linguagem do planeta estão sob propriedade direta ou indireta de empresas dos EUA. As redes sociais globais mais influentes, os sistemas operacionais, os servidores DNS raiz da internet, os cabos submarinos de dados, a computação em nuvem — tudo ainda fala inglês binário.

Isso dá aos EUA um poder que nenhum império anterior jamais teve: o de manipular a percepção da realidade em tempo real. Podem banir vozes, promover narrativas, inflar ou soterrar ideias antes mesmo que ganhem massa crítica. É um poder orwelliano, mas disfarçado de inovação.

Só que isso cobra um preço: **a perda de autoridade moral**. Ninguém mais acredita que os EUA sejam os “policiais do mundo” ou os “guardiões da democracia”. Depois do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, da Ucrânia, do apoio a ditaduras históricas, o discurso humanitário virou sketch de comédia. Aliados europeus já demonstram cansaço. França, Alemanha e Itália articulam seus próprios caminhos, buscando independência energética, militar e até informacional.

E o maior sintoma dessa decadência é o uso crescente da coerção. Quando a diplomacia falha, vem a chantagem: sanções econômicas, exclusão do SWIFT, congelamento de reservas estrangeiras, perseguição jurídica a empresas rivais (como a Huawei ou a TikTok), e o incentivo a golpes e rebeliões onde interesses americanos estão ameaçados.

Não por acaso, vimos nos últimos anos a explosão de guerras por procuração. Ucrânia virou trincheira da OTAN. Taiwan virou peão de xadrez. O Sahel africano está em ebulição. América Latina vive entre revoltas e intervenções silenciosas. A lógica é antiga: incendiar o quintal do outro para evitar que notem a bagunça no seu próprio porão.

Mas há um ponto cego gigantesco nessa estratégia: **o carisma geopolítico**. No mundo atual, o poder não depende só de armas ou algoritmos. Depende de atratividade. E aí, os EUA estão perdendo feio. A China, com sua diplomacia silenciosa, oferece infraestrutura em troca de comércio. A Rússia vende gás com pragmatismo. A Turquia negocia com todos. O Irã se reposiciona como líder religioso e técnico. E os EUA? Vendem vigilância, dependência e crise institucional disfarçada de liberdade.

Mesmo internamente, o império sangra. A polarização política chegou a níveis histéricos. Cada eleição parece uma guerra civil prestes a eclodir. O sistema eleitoral é questionado por metade do país, seja quem for o vencedor. As grandes cidades enfrentam uma crise de segurança, os sistemas de saúde colapsam sob obesidade, vício em opioides e doenças mentais. O que antes era potência cultural agora é distopia urbana.

E como reagir a isso? Com arrogância. A ilusão de invulnerabilidade é o que impérios em declínio carregam antes da queda. Roma construiu coliseus enquanto saqueava suas províncias para pagar dívidas. O Império Britânico envenenava a China com ópio enquanto cantava Deus Salve a Rainha. Os EUA fazem vigilância em massa enquanto falam de “liberdade de expressão”.

Mas não se trata apenas de crítica — é um alerta estratégico. O império americano, mesmo em queda, **ainda é perigoso**. Como um tigre ferido. E, talvez, até mais perigoso agora, porque age por desespero. E quando não consegue comprar, tenta destruir. Quando não consegue impor respeito, tenta incutir medo. Quando o medo não basta, apela para o caos.

Por isso, a metáfora do Titanic gritando é perfeita. Não é a calmaria antes da tempestade — é o barulho da tripulação tentando recalibrar o leme com os olhos vidrados no painel de controle, enquanto o casco já rompeu a integridade da soberania. O capitão já não tem plano. Só voz. O rádio do navio ecoa alertas em todas as frequências, mas os icebergs geopolíticos estão em toda parte.

E enquanto os EUA gritam, outros constroem. China redefine o comércio com a Rota da Seda. Rússia costura alianças energéticas com a Ásia e a África. Índia negocia em todas as mesas. O Oriente Médio reinventa seu papel estratégico entre petróleo e religião. Até o Brasil começa a acordar para sua posição no tabuleiro multipolar.

A pergunta é: quando os gritos cessarem, o que restará flutuando?

Porque poder real não se impõe pelo volume da voz, mas pela densidade da visão. E nisso, os EUA esqueceram que hegemonia não é feita de propaganda — é feita de propósito. O império pode até manter o comando dos cabos, mas perdeu o fio da história.


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